quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

98.


1 - As raízes da civilização seguram-nos, asseguram-nos.

2 - Podemos escrever além. Brindemos à nossa!

3 - A tragédia faz parte da equação da vida. Melhor viver com ela. Antes que tome parte de ti próprio. A equação, a não vida. 

4 - Se as tuas palavras são espadas, então escreve como espadas. Dirige-te ao mestre de esgrima, teu futuro. 



Foz, Porto, 2017

97.


CATALUNHA CIRCO

Acordo com a Catalunha a tocar, acordo
A Catalunha está sempre a tocar
Nas televisões, remetidas, presumíveis informativos
À altura, o acontecimento
Rematando, entretendo
É o mais duro político
O entretenimento
Remata, remata, e arremata
Vai fora, até da própria pele
Tanto dicionário didáctico, tanto esclareço tudo
Tudo a cingir, ao erro crasso

A Catalunha não toca em nada

A prova é que mergulhei na piscina ninguém
A hidro-massagem depois
Génese romano-aristocrata
E a Catalunha, enfim...
Os francos estão à porta do hotel




Ourense, 2017

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Zé Pedro




Sempre o vi em grande. Dos tempos do Johnny Guitar aos concertos com os Xutos. A pôr música, a tocá-la. Em Lisboa. Na Zambujeira do Mar. Em Odemira, num magnífico 25 de Abril, sempre nos máximos, sempre generoso, homem da dádiva do rock'n'roll. Bom astral a emanar sempre que o vi por aí. Uma delas a comprar discos quando havia ainda discos no Amoreiras. Quem falava dele só dizia maravilhas. As mesmas que se ouvem agora e tudo bate certo. Todos queriam conhecê-lo. Não o conheci pessoalmente, conheci-o pelas cassetes do meu irmão, eterno fã dos Xutos.
Também me lembro dos programas de rádio com o Henrique Amaro. Depois outros, pelos tempos afora. Vias da descoberta do bom velho rock'n'roll. Bandas que descobri por ele. Sempre a dar o novo, sempre renovado, sempre a dar esperança. Sempre a espalhar as boas ondas. Até mesmo neste último combate com a doença, dava-nos a certeza que se safava. A gente acreditava. Belas entrevistas também as deu. Era um homem que viveu. Viveu e fez os outros viver. Em alta. Encarnando o melhor espírito do rock'n'roll. E como todos os rockers que se prezem morreu jovem. Jovem no sentido em que Iggy Pop morrerá jovem. Jovem como tudo o que nos sobrevive. Não morrer de velho é a verdadeira lição. E podermos olhar o ser humano como uma homenagem. Como algo que verdadeiramente valeu a pena. Obrigado, Zé Pedro!

sábado, 25 de novembro de 2017






- Há livros que são injustamente esquecidos; nenhum é injustamente lembrado.

- A mão busca constantemente um pretexto para deter-se.

- Muitos escritores sofrem de vez em quando de ataques de falsidade, tal como outros sofrem períodos de insónia. O remédio em ambos os casos é bastante simples: se não se consegue dormir, há que mudar a dieta; se não se consegue escrever, há que mudar as companhias.

- Alguns escritores confundem autenticidade, ao qual devem sempre aspirar, com originalidade, da qual ninguém se deveria preocupar.

- Pouco talento basta para enxergar o que está mesmo em frente ao nosso nariz, mas é preciso muito para saber em que direcção apontá-lo.

- O poeta não deve apenas cortejar sua musa, senão também a sua dama: a filologia.

- A impossibilidade de definir a relação, junto à impossibilidade de negá-la, constitui a essência dos versos.

- É algo frívola a ideia de ler apenas os grandes poemas. As obras-primas devem guardar-se para as festividades mais importantes do espírito.

- Nunca se saberá do que se é capaz de escrever se não se tem uma ideia geral do que é preciso escrever.

- O poema é um rito: daí seu carácter formal e ritual. O uso que se faz da linguagem é deliberado e ostensivamente diferente da fala comum. Incluindo quando se empregam a entoação e o ritmo da conversação, faz-se com uma informalidade deliberada, propondo a norma com a qual se pretende produzir um contraste.

- Se há poucos artistas "comprometidos", é porque seu modo de vida não os compromete: para bem ou para mal, não pertencem de todo à cidade.

- O ideal da civilização é a integração num todo do maior número possível de actividades distintas com a menor tensão possível entre elas.

- Se uma civilização se joga segundo o duplo padrão do grau de diversidade obtido com o grau de unidade conservado, dificilmente resulta exagerado afirmar que os atenienses do século V a.C. foram as pessoas mais civilizadas que alguma vez existiram.

- A fonte da poesia há de buscar-se, como afirmou Yeats, «na quinquilharia suja do coração».

- Na maioria das manifestações de patriotismo é impossível distinguir uma das maiores virtudes - o amor à pátria -, do pior dos vícios humanos: o egoísmo colectivo.


sexta-feira, 24 de novembro de 2017




96.

Mastigar pode ser uma meditação
Mastigar enquanto se processam coisas
Pensadas em desagravo
Ao sabor da iguaria
Frita mastiga pensa
É um cavalgar na tardinha
É o lá mais tarde fora 
É um silêncio apenas
Pelo som do elevador ao lado 
Daqui a nada

95.


Comboio. Cais do Sodré. Sandes de queijo e presunto. A brasileira e os turistas. O táxi. Aquele restaurante do choco frito. A Voz do Operário. Meus livros na montra. A sensação nenhuma. Passem bem tchauzinho. A primeira vez que pisei o chão da Penha de França. E quando nasci estava mais perto. O mercado cheio de Arroios. O preço já a cobrar o futuro. Se te preocupardes, não fruirdes, diz ela. Não explodir, não cristalizar. E não se fala mais nisso.

sábado, 11 de novembro de 2017

Estrada dos Prazeres



Capa, ilustração e paginação Rui A. Pereira
letras paralelas
(159 pp, tiragem de 300 exemplares)
À venda na livraria Círculo das Letras - Rua da Voz do Operário, 62




Andaluzia, 2017 

domingo, 5 de novembro de 2017

94.


- Viver no estrangeiro, conseguir encaixar peças, sumamente respirar, poder respirar dá-me o poder de respirar. 

- O que há em escrever é seguir escrevendo.

 - Pessoas que acham que o seu ódiozinho a Espanha é salvo-conduto para a mal encarada intelectual desonestidade, para (o) poder (de) desperceber, para o grunhir à vontadinha.... 

 - Lido algures: "The reason wisdom is better than knowledge is because that no one can take it from you."

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Um avião passa ao longe
A 160 km daqui
Vai chegar
Onde aterrou ontem
Penso que só há uma maneira
De tu poderes descer aqui 
E para o provar a mim próprio 
Tiro mais um café da máquina

quinta-feira, 2 de novembro de 2017





Sines, 2017


93.


POR UMA VARANDA DESTE HEMISFÉRIO VEJO O PRINCÍPIO DE TODAS AS ESTRADAS


A folha é um oráculo, escrever é consultar o oráculo. O oráculo pode ser a água que nos transporta até ao cume da montanha. A escrita leva-nos, leva-nos sempre, nem que maremotos. A escrita é a passagem (pelo) impossível para o outro lado, impossível pelo impossível arrastado. Só mesmo a escrita nos pode navegar do seco deserto ao cume da montanha. Só mesmo a escrita subverte as leis da gravidade. A gravidade congrega, a água navega, a escrita congrega-navega. O leitor é a prova à prova dessa realidade a constante: o leitor navega-congrega.

A folha é a matemática, escrever a equação de um buraco negro antes estrela de neutrões onde começámos esmagados como Raskólnikov de encontro a uma parede. Tudo a posteriori. A posteriori do que não sabemos. A priori temos um barco, a folha, temos o deserto, areia, temos água, temos montanha. Temos mundo avessos, contrários. Escreveremos a longínqua matéria negra; nenhures a anti-matéria… Escreveremos tudo o que sabemos (do) que (não) sabemos. Do céu estrelado, milhões de estradas, estradas até lendas, a rumar ao remoto - e em cada estrada um milhão de estradas, e em cada estrada de um milhão de estradas outro milhão de estradas - o infinito em contra nada, a anti-luz emaranhada. 

Toda a jornada acabará no terminal de chegada o terminal de partida. Dali só dali se iniciaram todas as viagens, é para lá que se dirige toda a viagem. No princípio de todas as estradas o fim de todas as estradas. O início o fim das estrelas a luz toda a luz de onde se vê o caminho para as estradas - não fossem as estrelas as próprias estradas.

Somos nós próprios a iluminamos a própria Via, Láctea folha. A quem dirá que o tempo não se existe responderemos que o tempo desta mão não é o mesmo dos olhos que a vêm. Diremos tudo é estrada, tudo é estrada, tudo é estrada. Que só o presente condensa. Que só o presente aqui-agora é o arquitecto de todos os tempos. Que só o presente acha todo o tempo ao mesmo tempo. Que só o presente dispara memórias a todos os tempos a todos os espaços. De olhos fechados podemos nada saber das pedras da primeira estrada. Mas pela escrita escreveremos presente a todas as estradas, a todos os terminais. Escreveremos as mais importantes lições das bifurcações, das escapatórias, das divisórias de segurança... Diremos que das entre-estrelas o alfabeto consuma e congrega-navega. Daí convido eu agora o leitor a vir comigo um instante ali à varanda desta sala onde escrevo. Vê-se bem Sírius a oito anos luz. A escrever bem podemos conceber ali umas férias.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

92.

Nada nos cálculos da combustão solar nos dará ideia de como trabalhar a luz. Também não é necessário. Basta integra-la em voz. Lendo Ptolomeu se prova que Thoreau tinha razão. 





Valência, 2017



À Cunha



Continua a implementar a sua abordagem revolucionária à pressão alta: correr do ponto a ao ponto b à mesma velocidade com que a bola é trocada entre o adversário no ponto a e o adversário no ponto b, de forma a conseguir pressioná-los alternadamente, mas, na prática, ao mesmo tempo. É um processo tão contra-intuitivo e, por um par de ocasiões, deixou os jogadores da Juventus tão incrédulos que acabaram por entregar a bola a Acunã e foram reflectir um bocadinho. Terá jogos mais influentes ofensivamente, marcará mais golos, fará mais assistências, mas suspeita-se que os seus lances paradigmáticos serão sempre parecidos com o do minuto 49, quando veio fechar ao meio, recuperou uma bola na meia-lua, passou por Pjanic em velocidade e desmarcou Dost, tudo em menos tempo do que demora a dizer "nove milhões extremamente bem gastos".

Ou, por exemplo, a semana passada:

Adoptou alguma da aura polivalente de Bruno César, com a (significativa) diferença de que, enquanto Bruno César podia ser médio-ala, médio-centro e defesa-lateral no mesmo jogo, Acuña pode ser médio-ala, médio-centro e defesa-lateral na mesma jogada. É uma situação de superioridade numérica em forma humana. É possível que a sua esposa esteja a praticar poligamia apenas por ser casada com ele.


Rogério Casanova, aqui

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

84.


- Todos estes sinais já eu antecipava quando trabalhava pela noite. Era a altura de porfiar o porvir. Nem o instinto me deixava raciocinar. Escrevia, semeava, escrevia...

- Enquanto pensas na máquina que tens não estás a usá-la.

- Sem a grande dor não sairia dali. Da grande dor do segundo nascimento. Aquele que nos obriga a parir. 

-  Esperar o momento, não precipitar o momento. 

-  Adoro o cheiro da direita trauliteira muito preocupada com as causas sociais pela manhã. 

- Que o mistério e o secretismo se imponham à auto-denúncia e avidez. 

- Por enquanto temo-nos safado. Posicionado alerta. Em zonas seguras. De travagem. Em sofrimento. 

- Não me faças sentir a sombra. Deixas de ver-me. À luz. 

- Escreve-se o pensamento. O pensamento assim liberta. Liberta-se. Faz exercício. Oxigena. 

83.


SANTAMARIA


Os olhos reaccionários de Madre Casa Nela
A convicção 
Certita
O señorito acredita
Enfatiza a 
Convicção sintetiza
Depois botoniza
Votos votos votos
A maioria absoluta
Contorço
De quem financia
E lucra e ensina
Que lucra
Achada 
A maioria
Das partes
Do quanto mais melhor 
Emproa-humildes
De Madre Casa 
Medra senhora de toda a convicção
Assinada prensada
Pela mão direita
A mão da direita

segunda-feira, 25 de setembro de 2017





Algo em Arnóia me remete a Henry David Thoreau  - mas isso é outra conversa. Passeie por lá uma vez. Ali, ouvindo as histórias, só poderia começar pelo Señor de Arnóia - eterno alcaide, velhote unha-dura. Está internado mesmo ao lado, numas termas. Toda a zona é termal, aliás, do senhor de Arnoia morava uma fama terrível, franquista, colado ao lugar - hoje parece que já não. Sabe-se no entanto que onde ele reinou é onde sua carcaça será devolvida à terra. 

82.


A musa manda dizer que está com amor
Que se confirma em essência
E que bem se tolera sem sonido
Mesmo quando nos estilhaça
O pescoço parte em réguas as malas que nos carrega
Bem pesadas contra as cordas
Saltamos por cima, senão 
Saltassemos, a diva escreverá pior
Afim de pularmos ainda mais
Não está aqui para menos
Nem panos, nem produtos do polimento, ora toma, tens aí uma faca
É bom que a agarres, guarda-a
Não te tomes demasiado
Nem faças caso por todos aqueles que te chamam tudo

Como é tão absurdo tê-la visto a sofrer tanto aquele dia
A chorar desenhava ainda
Através das lágrimas que sobravam
E quem se arriscasse a chegar ao canto mais obscuro daquele restaurante
Disfarçado de festa para começar
Era de partir a cidade inteira

domingo, 24 de setembro de 2017

Além-Governos, Além-Fronteiras




O fluxo de cidadáns dun lado e doutro da liña denota a consolidación dun espazo común, compartido. Por exemplo, e como se aporta neste estudo, en 2012 ao redor de 22.797 cidadáns portugueses residían en Galicia. "Os inmigrantes portugueses son agora a maior nacionalidade estranxeira presente en Galicia", o cal "está a contribuír a un proceso de mestizaxe transnacional", salienta o experto da USC.
O certo é que, como sinala o profesor, "a transferencia transnacional de poboacións de Portugal a Galicia foi maior que a calquera outra Comunidade Autónoma española". En 2012, o 22,3% de todos os portugueses en España residían en Galicia, a maior porcentaxe en todo o Estado español. 
Esta comunidade transnacional galego-portuguesa é, para Rodríguez Campos, un bo exemplo de "comunidade de cidadáns que queren afirmar as súas solidariedades sociais e políticas sobre as súas denominacións étnicas e nacionais", ou dito doutro xeito, "un movemento que opera máis aló dos confíns dunha nación-estado, mobilizando etnias nacionais". Con todo, o profesor da USC pregúntase se sería posible crear instrumentos efectivos de solidariedade máis aló da organización dos Estados portugués e español. 
Ao fluxo de persoas hai que sumar o de mercadorías. Por exemplo, xa no ano 2004 o 23,2% das exportacións do Norte de Portugal a España foron destinadas a Galicia, e en 2005 o noso país importou o 57% do leite de Portugal exportado a España, "o que demostra a alta preferencia polos produtos portugueses no mercado galego", sinala Rodríguez Campos. Tamén en 2004, o valor de mercado enteiro entre Galicia e o Norte de Portugal foi similar ao que mantiveron os portugueses con Italia, Gran Bretaña ou os Países Baixos.
"Non hai dúbida sobre o aumento do tamaño do mercado entre Galicia e o Norte de Portugal tras a desaparición das fronteiras"
Os sectores de exportación máis importantes de Galicia ao Norte de Portugal foron a agricultura, a pesca e a alimentación, seguidos polo sector téxtil. Galicia exportou o 33,9% da súa produción de alimentos ao país veciño en 2011, o 35% da súa produción pesqueira en 2001, o 71% da súa produción de carne en 2005 e o 22% da súa produción téxtil en 2010. E Portugal foi o principal provedor de Galicia, co 57% da súa importación, segundo os datos expostos neste estudo.
Esta transnacionalidade no comercio "non é tan prominente para outras fronteiras hispano-portuguesas, como Andalucía, Estremadura ou Castela", compara Rodríguez Campos, quen aporta máis datos que demostran a súa tese: o 50,3% do tráfico viario entre España e Portugal a partir de 2004 pasa pola fronteira galego-portuguesa e o 87,8% deste tráfico componse de turistas e o resto, de traballadores; 
(...)
Aí sitúanse, entre outros elementos integradores, as afinidades lingüísticas, xa que "son tamén moi importantes, porque promoveron raíces culturais na comunidade étnica". "Cada día, os códigos lingüísticos da lingua galega son cada vez máis parecidos aos do portugués. Os portugueses do norte son definidos como 'galegos' polos sureños debido ao maior número de afinidades lingüísticas coa lingua galega que teñen", expón Rodríguez Campos.
"O nacionalismo galego evolucionou desde a idea da independencia ata o concepto de participación nun federalismo cosmopolita"
Nese proceso de integración tamén xogaron un papel fundamental "as vellas reivindicacións de intelectuais e artistas galegos e portugueses que, no século XIX, trataron de expresar a necesidade de formar unha comunidade transnacional a través das afinidades étnicas entre ambos os pobos", e cuxo legado tomou o movemento nacionalista galego.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017





Entrados no táxi: Silence! Silêncio, piano, orquestra, s'il vous plait
Eu é que agradeço. O dinheiro nunca é problema, disse, Stephanie não tem muito, eu menos tenho, e até não termos nada, o dinheiro não pode ser problema. Olha pela janela.  Passaste a Assemblée Nationale, tardará pouco terás a Torre Eiffel ao lado antes de te enfiares num túnel, depois os estúdios da tv, pontes do metro aéreo. Mas em Paris tudo é sério, magnânimo, não tem nada de uma cidade brinquedo, como tantas, como agora. Tenho a liberdade de ser árduo e austero, e assim sentar-me num café sem ninguém ter de me dizer não penses nisso. Sim, poder ser grave à vontade.E assim sempre ir contando: quero que hoje a minha missão seja escrever sobre hoje. 




Até que parámos em Cudillero. Exótico lugar, que na primeira foto remete um pouco a Porto Brandão. Mas pouco a ver, a não ser, talvez, por ali se comer muito peixe. Contem com a identidade asturniana. As cidrerias - foi a primeira vez na vida que vi uma cidraria, e que bebi a cidra autêntica - tão próxima da Somersby como o ténis do ciclismo. Primeiro estranha-se, depois estranha-se menos, vamo-nos habituando ao seu feitio particular e um pouco mal encarado, mas é interessante, e não traz nada de químicos e aditivos, é autêntica que dói, prefiro assim. A cidra veio depois do passeio pelas ruelas estreitas, com algo de mourisco, mas apenas, no tom traduzido no contíguo dos espaços. Verdade é que estamos perto de Gijón, não de Mértola, nada ali alguma vez foi mouro. Esse orgulho emerso em souvenirs de Astúrias Pátria Querida só poderia desembocar no melhor da nossa paragem em Cudillero: as favas! A famosa Fabada Astúriana! E estávamos em pleno calor de Junho. A não perdoar pelo Inverno. 




quinta-feira, 21 de setembro de 2017

81.



PARIS, I'M SORRY
O ruído da máquina de lavar roupa parece só me dizer de uma maneira: you sorry, you sorry... Sim, tem sido isto nos últimos dias, nos próximos dias Todos menos eu Todos menos nós Todos You sorry, you sorry, you sorry... Porra! E pelos vistos arrasta a escrita... Depois é o ruído da centrifugadora Tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu... Tarda o silêncio Até ao regresso da modinha You sorry, you sorry... Algo se passa aqui entre mim e Paris E não é nada de um amor-ódio antigo É outra coisa, espécie de combinado Amor com amor-tédio Só que depois acontecem os acidentes Do magnetismo dos cartiers, das luzes! Aqui tudo electrifica até ao medo Dez anos e um chip mais que o corpo Viverás aqui, vinha escrito Claro que não será possível decifrar tudo Morreria num curto circuito Também pode ser mentira, gozo, boutade inconsciente Cada coisa traz seu tempo, trouxe-trará É como esta máquina a lavar-me a roupa suja
Com pressa, compassa 
You sorry, you sorry, you sorry... 





Asako Hayashi

terça-feira, 19 de setembro de 2017




A Corunheza, lá em cima. Cá em baixo era a primeira vez na vida em que eu pedia um café e me chegava um capuccino. Mau. Não suporto natas, mas lá consegui suportar a chávena larga até ao fim. Só para café tenho de pedir café solo, disseram-me mais tarde. A propósito, o café na Coruñeza é Delta. E o café na Galiza é óptimo. Só não o tentem em Castilla-La Mancha. Também imagino que já devem ter uma ideia. 




Foi uma surpresa apanhar com aquela estátua. Por outro lado não, tão normal que era estar ali aquela cabeça. No entanto, não há muito tempo, foi reclamada pela cidade, ia ser retirada, era de uma exposição temporária, mas já fazia parte da normalidade. Anormal era ela não estar lá, à cabeça, a cabeça. Pelos dias fora.  

80.



BCN

Liga-me o dia de ontem ao dia de hoje
Hora saída
Dor nos pés
Miró não
Tàpies
Sagrada família
Cabo Verde
Outra igreja 
A indicação
A pizza
Um bloco
Camp Nou em todos os postais
De Oriol Vilanova
E Esteban Estevo Estevão 
Esteve
Românico medieval apontado ao Pirinéu
Visigodos do antes
Seriedade na mesma 
O que agora ainda se lê em povos muito a cruz
O olhar de Deus frente
Ao encontro de Jordi Savall
Trazia a antena os auscultadores
Um cristo catalã medieval 
Onde Pasolini, claro, veio aqui beber à fonte mesma
Onde Eros 
Vistas absorve o antigo
Voo sobre esta Joana não a objectiva em concretude mas também
Assim não me perco, sigo o voo
Quase piso mais terra antiga 
Sant Andreu
1200 DC
Mestre de Taul La Lira de Esperia Galicia
Onde Brésson, claro, veio beber à fonte mesma
Lancelot cenário até que figura
Mais ainda para dentro de Deus sempre
Na intuída plenitude que vê sem efeitos
Cruz sem cruz nada é cruzado
Até à forma




Cidade branca? Também.

79.





COVADONGA


A respeito da época em que estamos
Contra os mais remotos que se perderam
Estamos abrigados agora
A ver nos museus os utensílios
Pelas idades geladas
Fossas cantábricas mil metros lá em baixo
Pelo oceano penhascos de água
Passeando o tempo
A falhar, a falhar, tentar era a única tradição
Porfiavam a desentender
De fora cercados por dentro
Tornando contra terrores de respeito
Cercados por fora
Foram o urro humano mais culto da História
Transpirados de pranto
Nas veias nas têmporas a medrar as artes da leitura animal
Dos temores ocultos
Abrigados nas covas 
Único respaldo úteriano de um pensamento que nos faz
Perguntas até hoje
Ou o prolongamento da rocha sobre a estalactite silêncio
Ao longe ao hoje 
Antepassado