sábado, 20 de agosto de 2016

54.


- Rasto de sangue? Nesse preciso lugar onde matas ou morres? 

- Última Hora: Amor eleito pelas leis da física perdeu sua força de gravidade.

- Da fusão, suas grades.

- Reconstruir sobre o terramoto sempre é melhor que abandonar suas ruínas.

- Não vale a pena versus pena desgraçada versus tem boa pena. 

- Prefere-te de costas, projecta-te um filme. Podes ser o fim.

- Ao teu mundo a tua chama, tuas águas, teu ar, tua terra... 

- A mulher onde eu (não) exista. 

 - Só um Deus pode sustentar um absurdo. 

- Não é nada etéreo, é terreno, bastante terreno. É aliás todo o terreno. E não é para todos. Na verdade é só mesmo para si próprio. 

sexta-feira, 17 de junho de 2016

53.

Para uns a inspiração é muito mais rara que o amor
Para outros menos, muito menos 
Mesmo assim saiu-lhe: vou ter com a musa...

Ela não evitou o vulgar
Bem sei, o vulgar faz parte 
Sobretudo
Toma parte
Da merda da merda
Deste lugar

Que musa, qual musa?
Onde é que tu vais? Vou escrever, disse
Estás inspirado então
Aproveita
Isso

Não fossem os cornos nossos
Dos nossos
Esses mesmos
Carneiros com que contamos a noite...

quinta-feira, 16 de junho de 2016

(...)

          

          

          the escape

escape from the black widow spider
is a miracle as great as art
what a web she can weave
slowly drawing you to her
she'll embrace you
then when she's satisfied
she'll kill you
still in her embrace
and suck the blood from you

I escaped my black widow
because she had too many males
in her web
and while she was embracing one
and then the other and then
another
I worked free
got out
to where I was before.

She'll miss me - 
not my love
but the taste of my blood,
but she's good, she'll find other
blood;
she's so good that I almost miss my death,
but not quite;
I've escaped. I view the other
webs.

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          dog

a single dog walking alone on a hot sidewalk of 
summer
appears to have the power 
of ten thousand gods,

why is this?

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           the meek have inherited

if I'd suffer at this 
typewriter
think how I'd feel
among the lettuce-
pickers of salinas?

I think of the men 
I've known in
factories
with no way to
get out - 
choking while living
choking while laughing
at Bob Hope or Lucille
Ball while
2 or 3 children beat
tennis balls agains
the walls.

some suicides are never
recorded. 


Charles Bukowski, in Love Is a Dog From Hell, Poems 1974-1977

quarta-feira, 8 de junho de 2016





«Num mundo em que os prazeres são de casa de brinquedos, as dores não podem ser de casa de ferragens.» 

Macedonio Fernández

sexta-feira, 3 de junho de 2016

The Bank of Korea


1 - Já o tinha visto de manhã. Parecia ir para um trabalho lixado. Conheço-o de não sei onde. 

2 - Foi pouco depois de finalmente ter reencontrado uma conhecida que até pode ser amiga - faz tempo desde que eu a vi com uns dezassete, dezoito anos, assim de estalo. Agora é mulher, tem um miúdo, casada, sou amigo de dois irmãos dela, mesmo que nunca os veja, com o mais velho, por exemplo, há coisa de um mês, retomei uma conversa de 1999.

3 - Correntes e remoinhos, dificuldade em nadar neste lago. Até mesmo como personagem - não, não é mais fácil com braçadeiras, nem uso duplos, nem me dependuro...

4 - Esquina da Saraiva de Carvalho com a Ferreira Borges. 

5 - Vi-o depois à noite ali ao pé dos bolos quentes*. Nem 24 horas já envelhecera dez anos. Desolação desértica, um saco azul do Ikea com as roupas e haveres, os sapatos novos cheios de pinta.

6 - Não tenho especiais recordações da escola, nem num facebook os quero, quanto mais. 

7 - Dei-lhe euro e meio, olhei-o nos olhos. Valeu-me o compasso de uma merenda na rotunda. Deitado fora o papel de embrulho, lá estava ele, consternado, abatido, devastado. Bom ter uma nota de cinco encolhida no bolso pequeno das calças. Festa no estômago.

8 - Leva lá, amigo, leva. Que sim, sim senhor, mas só se for troca por troca. Respondi que não, não era preciso, de todo, de todo não, esticou-me o braço com uma nota de mil do outro lado do planeta: The Bank of Korea - tenho-a aqui mesmo à frente, mais verdadeira que as verdadeiras... 

9 - A continuar assim chegará ao ponto de ser confundido com quem chuta castanha antes de ir para um canto refundido... 

10 - Venha daí uma segunda emenda.

* - pastelaria que vende bolos e pão madrugada adentro, e cerveja. Lá se costuma dizer isto não existe. Ainda bem.

domingo, 29 de maio de 2016

52.


Ainda estou muito longe dela
Consigo ver o bastante
E quantas milhas de anos
Comprimidos absorvidos condensados
Concentrados, em meses
Mais, mais...
Quanta distância...
Sei que entretanto continuas a jogar
Esse bluff cheio de trunfos
Entretanto ainda se chora a solidão
Entretanto ainda (e) sempre ando todo dia para aqui a arregaçar as mangas
Quanta distância...
O fascínio de qualquer viagem que cubra
Esta nudez de desespero
Na estrada não se vê bem, é de um interior qualquer
Pudera ser de outra maneira
Só que por dentro transformo-me dentro dela
Por ela
A viagem é ela
Caminha
Até ao dia em que diremos chegámos
Isso que vinha escrito numa estrela
De uma noite passada
Essa certeza que
Não a podes ignorar...

terça-feira, 17 de maio de 2016

Betlegeuse




Acordar tarde finalizados os sonhos descontinuados. Jamais vi aquelas pessoas, aqueles lugares, aquelas situações. Uma asiática e uma farmácia; um metaleiro pedinte; um carteiro numa cidade inidentificável. Isto depois de ter adormecido na tua imagem. Até despertar suado-arrependido. Raio comprimido o raio do comprimido - mas adiante. Vivam os copos. Vivam os anti-corpos. Os anti-corpos nunca o anti-corpo - e a nossa corda é muito mais forte que tudo aquilo que a sustém, vá-lá. Eu vou. Intuo tudo através dessa luz precisa nascida no preciso momento em que nos conhecemos. Autómato negro dicionário. Do sacrifício que ninguém lê. Do sacrifício que lê o que ninguém vê. Do sacrifício que é = a sacrifício + nada = sacrifício. Do sacrifício que multiplicado, bem sabemos, equivale ao zero. Pois assim como assim graças à matemática fui desde ti até à infância. Ter com a equação irresolúvel. Combinar naturalidade com o medo de te perder... Medir o receio de te magoar com o teu absoluto desinteresse... Enfim, talvez possa daí poder inspirar algum novo malabarismo, alguma variação no trilião... Interesse, nenhum. Depois, todo o já é aqui já aqui agora já. Esquece a memória: obscena a forma como seu diâmetro incha e expande, é como ter o Sol ao lado de Betlegeuse. Grão de areia contra a montanha. Matéria luz 2 = 0. 2.0, ai do ser, a Super-Nova. 

terça-feira, 19 de abril de 2016

51.

- Fez um teste de resistência ao meio. Por ali mesmo passou-lhe a lâmina. 

- Dormindo com todas as mulheres só se sentia a dormir com ela. Quando dormisse com ela, dormiria com todas as mulheres. 

- Não sou eu sem o meu poncho dos Andes, esse cachecol, só me serve em casa.

- Não entro nesses meandros, nessa sopa de algas, nem quero saber se faz bem à pele.

- É do jazz, sou do cinema. 

- Pegar num livro e chegar de imediato ao lugar exacto onde se devia estar. Nada há de tão mais divertidíssimo. 

- Ter o mapa inteiro, as coordenadas... Tudo descoordenado.

- Seu texto está cheio de equívocos. Como se a latrina fosse a lotaria... 

- Teu poema queimou-me as superfícies certas. Laser sobre a ferida, salvo (o) erro...

- Sou daqueles que acredita que todo o lodo é batota. 

- Lá porque não se gosta de ouvir não quer dizer que tenha de ficar calado a vida inteira.

- Jesus Cristo Júlio César Augusto Marco António Cleópatra Bonaparte Cláudio Constantino Buda?

- Muito obrigado, Miguel-Manso. Muito obrigado, António Poppe. 

- Deixar de ter de depender não é deixar de depender...

quarta-feira, 6 de abril de 2016

50.

Sou muito fácil de encontrar, mas não venham ter comigo. Três quarteirões seguindo pelo acaso até parar três horas mais tarde - três pessoas em conversa - a concluir que nada havia ao acaso. Pior mesmo foi saber o que se perdeu no (teu) incêndio no Chiado. Duzentos e tantos metros quadrados por um T2 (ou era T1?) na Zona J - e sabias lá tu o que era a Zona J, suponho que ninguém sabia, da minha parte só tomei conhecimento uns quinze anos depois... Infância, Agosto, férias em Vila Nova de Milfontes, aparvalhado e combalido pelo choque - nunca tinha visto nada a arder, e logo o Chiado... No dia seguinte estaria nos jornais, no próprio dia fomos ao café ver o telejornal. Tu estavas de viagem  para o Algarve até que deste meia volta à chegada. Ainda não havia telemóveis, internet, essa coisa da cidadania onde já não sei se hei de meter aspas ou não. Pela descrição que deste se calhar até o Julian Schnabel ficaria maluco pelo teu ex-espaço. Mas indo ao Abecassis da questão, isso da cidadania, meu caro, pelo menos como a entendemos... Quantos é que eram mesmo? Os traumas pegam-se, amigo. Ia escrever - ou à melhor, no caderno antes de ser passado a computador vinha escrito - os traumas pagam-se. Deixa(r) arder. Pensar no fogo criador quando já não há nada a fazer. Que a humanidade mal existia na Idade do Gelo. Vou fazer como tu, agora que perdi a confiança. Sim, no que tantos encontram um privilégio, perdi completamente a mão. Mas eis que tu e a tua especialíssima cara metade  - deu para ver, perfeitamente para perceber, intuo-te a tanta sorte - inspiraram-me. Por enquanto vou apanhando alguns bocados daquilo que para os afortunados são pequenas coisas e para o habitante da Serra Leoa um sonho jamais realizável: um Bacalhau à Brás no dia seguinte, um texto espantoso no facebook de alguém a quem prometi mostrar o meu bisavô versus Sidónio Pais. Scanning directo à carótida, acredita. Enfim, no caderno lia escrito à Carbonária, claro que não era, vai na volta, com a minha letra, se calhar era mesmo à coronhada... 

terça-feira, 5 de abril de 2016

49.

E a montanha pariu um rato. As montanhas andam sempre a parir ratos. Parecendo que não ando desde quarta-feira a tentar mas ainda não cheguei sequer ao pedal da embraiagem. É noite-após-noite-após-noite. Atrás-atrás-atrás-atrás-atrás... Nada. Acha-se um piadão ser fantasma. Esconde-esconde-esconde pede (é) tudo o que não sou. Truz-truz-truz não e não e não. É da cartilha, a vencedora, conhece-se mas não se conhece... Ou à melhor, ou melhor, a partir do momento em que desaparece toda a vantagem nesse ponto de Lisboa onde a ravina se prepara para inclinar à séria... Enfim, é de ir pela boca do rio. Isto até ao Terramoto - mas adiante, é só um parêntese. 
Mas voltando ao fantasma - já que não te apanho (a) forma (alguma) de forma alguma -, a mim lembra certa vez em Sintra a rirmos que nem uns perdidos nesse Estágio de Verão de Aikido. Tanta prática, prática, prática, o físico ao limite do espírito, o espírito ao limite do físico, horizontes carregados de verdade, verdade carregada de horizontes, sempre a furar, sempre a furar, incessantemente, a ultrapassar... Depois, no fim, relaxados até mais não, endorfina (à) solta, já íamos de noite bem jantada, epá, qual é a cor do teu cinto? O meu sinto é pardo, e o teu? Pardo? Então o meu também é pardo. Óbvio que é pardo. De noite todos os cintos são pardos ah-ah-ah... Não tem piada? Entendo, é precisa muita endorfina para lá chegar, só mesmo de turbo accionado à horas. Mas ficou bela a definição. Tão sublime que desde aí me acompanha, até hoje. Graduação? Sou pardo, não insistas. 

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

48.

Vá-lá que reajo. Olho inchado. Doença sem doença. Ainda apanho o autocarro. Ao dia cinza, a cinza. Mais estranho é tão estranho não dar com o contraste. Não há. Acabou. Parecemos diluídos mas não estamos. Secaram-me as plantas em casa. A missão era incumbida de nadas - festim de equívocos, recuso tomar parte. Eu que ao inverso penso noutras coisas. Emerso. Tento pensar. Imenso. Tentar sempre é meio caminho andado. Mais fácil, muito mais fácil que entender que tudo em ti é só fachada. Reclamas demasiado para tentar justificar, justificas demasiado para poder trair, trais demasiado para não levantar suspeitas... Desleal batota, jogo forjado... I'm always scheming and i'm right and you're wrong, é como diz a máfia, que é como quem diz, dá-me igual, sabes nada, faz-me à vontade as perguntas que eu tenho as centenas de respostas. Não é o Goodfellas, querida, aqui o ponto de partida não é o ponto de chegada. Alto! A fachada, espera, posso ler agora? Bom, sempre posso passar pelos pingos da chuva, dizer com licença, obrigado. Ver-me livre, acrescentar ao não ter a palavra querer. Pois que fique à vontade, coloca-se bem, muito bem, em qualquer lado da frase. E diverte-se, pelo menos nisto o querer sabe o que quer. Sabe o que quer. Sabe o que quer. Todo o mestre sabe usar qualquer Não como gelo na bebida. Dar-lhe a frescura necessária. Depois há quem goste, depois há quem não goste. Depois há quem não tenha por onde gostar ou deixar de gostar. Sobretudo quando deixa o tempo levar (o) tempo, ou quando permite que tudo (se) choque à temperatura ambiente, ou quando ignora todos os índices de intolerância... Depois... Enfim, depois é pior que cerveja morta, é que nem gás, nem sabor, além de nojento, imbebível. Mas não te apoquentes, nunca darei gelo a cerveja defunta. É do horror, não me interessa. Contigo só o não me interessa...